domingo, 6 de maio de 2012

Lázaros (Peça Teatral).


                                     Monólogo
Lázaros
Inicio: 04/02/2005
Termino: 09/04/2005

Dramaturgos: Oliveira & Lima






“A harmonia invisível é superior a visível”.
Heráclito de Éfeso












Ator: L. C. Oliveira
Lázaros

Apresentação

Lázaros: é um mendigo que vive dormindo em calçadas, comendo restos de comida e vivendo em condições sub-humanas.
Trata da realidade social de alguns Indivíduos que, como expoente da desigualdade social, servem de parâmetro indesejado, sendo um modelo daquilo que não desejamos ser.
É patente que, nas cidades os mendigos incomodam, só pergunto se, o que incomoda não é a consciência de que se tivéssemos um pouco mais de responsabilidade social, se fossemos um pouco menos egoístas, eles nem existiriam!
Por detrás de cada um desses incômodos mendigos sem rosto, existe um ser humano com um universo inteiro de problemas psicológicos, sociológicos, antropológicos, psiquiátricos e econômico.
Embrulhemos o estomago e vejamos...
Lázaros!

                                                   Lázaros

UM MURO DE TIJOLOS, UM POTÃO E UMA GRANDE E CHEIA LATA DE LIXO; DORMINDO ENROLADO EM TRAPOS, ESTÁ LÁZAROS.
UM BARULHO DE CAMINHÃO E ELE ACORDA, OLHEIRAS E DENTES PODRES COMPÕE SEU ROSTO. ELE SE ESPREGUIÇA E PERCEBE A PLATÉIA.

Lázaros: Oh! Quanta gente!

PEGA UM PAPELÃO E JUNTA EM UM CANTO O LIXO.

Lázaros: Um momento e já ajeito minha casa!
Pronto! Pode entrar senhora! Por favor senhor!

FAZ UM GESTO APONTANDO O LUGAR ONDE DORMIA.

Lázaros: Me desculpem a casa esta assim tão suja, mas o que se pode esperar quando se vive na sarjeta?
Hoje minha casa foi aqui, amanhã somente meu bom Deus saberá e, por falar em Deus...

SE AJOELHA E ABRE OS BRAÇOS.

Lázaros: Oh! Bom Deus, ajudai-me em mais um dia de miséria e humilhação! Permita que não seja hoje minha morte por inanição. Que eu consiga receber daqueles que me desprezam e viram o rosto, um tostão para comer um pão, ou beber uma cachacinha, que ninguém é de ferro.
Se eu conseguir!? Oh! Bom Deus, uma lata de cola, será um dia  de menos que verei o meu sofrimento e se conseguir um baseado, durmo tranquilo e nem vejo quem sou ou onde estou...

OLHA A PLATÉIA.

Lázaros: Senhoras! Senhores! Não fiquem assim tão espantados! Se vocês estivessem onde estou e vivessem como vivo, também veriam que é mais doloroso a consciência de estar aqui que a fome. Sou um pobre diabo! Durmo em trapos que me provocam vômitos de tão fedidos, meu hálito repugna até a mim mesmo, minha vida é uma desgraça e ninguém vê.

CIRCULA PRÓXIMO A PLATÉIA, OLHANDO PARA OS DA PRIMEIRA FILA.

Lázaros: Olhem o meu rosto! Já me viram em algum lugar?

APONTA PARA OS DA PRIMEIRA FILA.

Lázaros: Ontem você passou por mim apressado e se afastou por causa do mal cheiro! Minha horrível aparência te fez fingir que não me via, ao sair do centro comercial de sua preferencia e o medo de ser roubado fez você fechar os vidros e acelerar o carro quando lhe pedi um trocado no sinal.

CIRCULA O PALCO E PULA NO MEIO DELE, COMO QUE SE APRESENTANDO NOVAMENTE.

Lázaros: Mas, neguem que eu tenha minha utilidade!
Por me vê, você gosta ainda mais de sua vida burguesa, onde o seu lucro é o mais importante. Se eu não existisse, como você poderia continuar a se orgulhar de que venceu na vida? Quem seria o derrotado, para você ser o campeão, se não tivesse os Lázaros da vida?

PEGA UMA CANECA EM UM CANTO.

Lázaros: Uma esmola pelo amor de Deus! Outra utilidade minha!
Eu sou aquele que recebe suas esmolas quando você se senti em falta com seu Deus, me dá uma esmola e diz a si mesmo: agora estou praticando a caridade. Eu recebo e me drogo, para esquecer de que precisei de sua esmola para comer.

GUARDA A CANECA E PENSA UM POUCO.

Lázaros: Vocês bem que poderiam me perguntar: Por que você vive assim? E eu responderia que nem sei direito, são varias as causas. Por vezes eu perco o emprego e, vendo a minha família passar fome, perco também a razão, enlouqueço e nem me lembro mais quem sou. Outras vezes alguém com um bocado de dinheiro, acha minha mulher bonita, usa esse dinheiro para seduzi-la e fazer com que ela me esqueça, então a depressão me joga aqui e só penso em esquecer e não mais vejo o mundo exterior, geralmente, a mulher também vem, depois de descobrir que só era um brinquedo. A forma mais demorada: sou criado sem estudo, começo a trabalhar cedo, trabalho pesado e mal remunerado, aquele trabalho que você não quer fazer de jeito nenhum, vou vivendo e então, adoeço ou quebro um membro, você não tinha assinado minha carteira de trabalho e eu sou demasiado ignorante para pedir na justiça o que tenho direito e, quando peço, demora tanto que já estou aqui.

AGACHA E DÁ UM MURRO NO CHÃO.

Lázaros: Essa vida desgraçada vicia e, o homem sem brio, se acostuma a viver na merda, como eu me acostumei.

ABRE OS BRAÇOS SE CONFORMANDO.

Lázaros: Já ouvi tantas explicações! Sempre que uma criança te pergunta o porque de eu viver como vivo, você responde: Deus quer assim; na vida passada ele foi muito apegado ao dinheiro; É um doente e não tem dinheiro, ou então, que sou um vagabundo e que gosto de ser pedinte.

SENTA NO CHÃO.

Lázaros: Às vezes eu gosto mesmo! O ser humano se acostuma com tudo, vive em qualquer meio, se eu for obrigado a viver com muito dinheiro, logo logo eu não quero viver de outra forma.

LEVANTA E SE APROXIMA DA PLATÉIA.

Lázaros: Dizem que só acabam comigo com o comunismo, que o estado deveria cuidar de mim, etc. Mas, sempre vejo as ideias de Marx na boca dos piores capitalistas que existem!
Acho que hoje é sinônimo de personalidade ser simpatizante do comunismo, mas tudo não sai do campo teórico. Nunca vi ninguém que ganha muito dinheiro querer abrir mão de seu lucro para dar um nível de vida igual aos necessitados. Lindas teorias, mas não passam disso, o homem é inerente ao capitalismo, até aqui onde vivo. Vocês acham que se eu ganhar cem (100) reais aqui, de vocês, eu vou querer dividir com os outros? Claro que não! Se eu dividir, será com o grupo que já divide comigo e, por questão de interesse.

ACHA UMA FRUTA NA LATA DO LIXO QUE COME ESCONDENDO.

Lázaros: Vocês pensam que eu não percebi que vocês queriam roubar meu café da manhã!? Se vocês tentarem estarei pronto a reagir e a lutar com qualquer um. O homem em necessidade extrema fica agressivo, pronto a cometer um crime, se isso for necessário para preservar sua vida, ou destruí-la, dependendo do abalo psicológico que se sofre.
Sou candidato a presidiário, interno de hospital psiquiátrico, ou até defunto se eu perder a luta.

LIMPA A BOCA NA MANGA DA CAMISA, TERMINANDO A REFEIÇÃO.

Lázaros: Escutei quando criança um apelo musical que pedia para “trocar o seu cachorro por uma criança pobre”. Então pensei: Agora melhora! Os cachorros dos ricos são tão bem tratados! Alimento, banho, cama, um sonho! Eu era criança e muito pobre. Ledo engano! As crianças pobres continuam sem ajuda e os seus cães bem tratados como nunca! Tem até festa de aniversário!
Eu não me lembro nem o dia do meu, depois de tanto tempo sem ninguém lembrar! Eu também esqueci.
Mas, dizem que alguém esta fazendo algo, um Lázaro amigo meu esta recebendo ajuda de uma família abastada! Filhos de Deus! Quem será que o esta ajudando?

APONTA PARA AS PESSOAS NA PLATÉIA.

Lázaros: Será você? Ou você? Ou você? Meu Deus, quem será? Quero felicita-lo! Esses, além de ajudando com alimentos, roupas e etc. Tratam com respeito, vejam só, respeito! Na condição em que vivo o que acaba primeiro é o respeito! Mesmo os que me dão uma esmola, geralmente o fazem me humilhando. Essa família que ajuda o meu amigo Lázaros, o visita e o trata como ser humano!

PEGA A BÍBLIA VELHA ATRÁS DA LATA DE LIXO. ABRE A BÍBLIA E LÊ: LC 16:19-23.

Lázaros: “Ora, havia um homem rico e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalado e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas a porta daquele;
E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico, e foi sepultado.
E no inferno ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro no seu seio...”

FECHA A BÍBLIA.

Lázaros: Esta é minha passagem favorita, ela me dá a esperança de um dia melhorar de vida, o meu xará bíblico conseguiu, foi para o seio de Abraão, que eu acho deve ser o céu, enquanto o rico foi para o inferno.

GUARDA A BÍBLIA.

Lázaros: Agradeço a Deus por tudo! Hoje estou aqui, repleto de feridas, misérias e vícios. Amanhã, quando eu morrer de frio, fome, doença ou overdose, irei para o céu, para o seio de Abraão e vocês, os ricos, sofrerão no inferno.
Isso me consola, me faz aceitar pacificamente minha condição de miserável, o dinheiro leva ao inferno e eu quero ir para o céu.

APROXIMA-SE DA PLATÉIA COMO QUE PARA CONTAR UM SEGREDO.

Lázaros: Posso lhes contar uma coisa?

ENTRISTECE.

Lázaros: Por mais que eu tente me enganar...

ENTRA EM DESESPERO.

Lázaros: Eu não consigo acreditar nisso! É hipocrisia dizer que eu serei salvo por ser miserável, isso esta mais é com cara de engodo dogmático, algo que foi criado para justamente, me fazer viver conformado com toda essa desgraça que me cerca.
O meu homônimo viveu desejando comer as migalhas, com a companhia somente dos cães, que lhe lambiam as chagas, como eu tenho cães que me lambem o rosto quando desmaio embriagado e com fome.
Sei que vou contra fortes valores religiosos, mas eu bem que preferia ter uma vida mais digna ao invés de ficar somente esperando o céu.

SENTA-SE JUNTO A LATA DE LIXO.

Lázaros: De qualquer forma, eu estou tão fraco que não demora muito até eu ir com a morte. E...quando eu for, ninguém sentirá minha falta; ninguém notará, não tenho família! Amigos? Menos ainda! Serei um nada sem rosto causando o ultimo incomodo de ser enterrado como indigente, pelo serviço social, sentindo todo o peso de ser mais um dos muitos à que se podem chamar de Lázaros!

Fim!

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