Monólogo
Lázaros
Inicio: 04/02/2005
Termino: 09/04/2005
Dramaturgos: Oliveira & Lima
“A harmonia invisível é superior a visível”.
Heráclito de Éfeso
Ator: L. C. Oliveira
Lázaros
Apresentação
Lázaros: é um
mendigo que vive dormindo em calçadas, comendo restos de comida e vivendo em
condições sub-humanas.
Trata da realidade social de alguns Indivíduos que, como
expoente da desigualdade social, servem de parâmetro indesejado, sendo um
modelo daquilo que não desejamos ser.
É patente que, nas cidades os mendigos incomodam, só
pergunto se, o que incomoda não é a consciência de que se tivéssemos um pouco
mais de responsabilidade social, se fossemos um pouco menos egoístas, eles nem
existiriam!
Por detrás de cada um desses incômodos mendigos sem rosto,
existe um ser humano com um universo inteiro de problemas psicológicos, sociológicos,
antropológicos, psiquiátricos e econômico.
Embrulhemos o estomago e vejamos...
Lázaros!
UM MURO DE TIJOLOS, UM POTÃO E UMA
GRANDE E CHEIA LATA DE LIXO; DORMINDO ENROLADO EM TRAPOS, ESTÁ LÁZAROS.
UM BARULHO DE CAMINHÃO E ELE ACORDA,
OLHEIRAS E DENTES PODRES COMPÕE SEU ROSTO. ELE SE ESPREGUIÇA E PERCEBE A
PLATÉIA.
Lázaros: Oh! Quanta gente!
PEGA UM PAPELÃO E JUNTA EM UM CANTO O
LIXO.
Lázaros: Um momento e já ajeito minha casa!
Pronto! Pode
entrar senhora! Por favor senhor!
FAZ UM GESTO APONTANDO O LUGAR ONDE
DORMIA.
Lázaros: Me desculpem a casa esta assim tão
suja, mas o que se pode esperar quando se vive na sarjeta?
Hoje minha
casa foi aqui, amanhã somente meu bom Deus saberá e, por falar em Deus...
SE AJOELHA E ABRE OS BRAÇOS.
Lázaros: Oh! Bom Deus, ajudai-me em mais um
dia de miséria e humilhação! Permita que não seja hoje minha morte por
inanição. Que eu consiga receber daqueles que me desprezam e viram o rosto, um
tostão para comer um pão, ou beber uma cachacinha, que ninguém é de ferro.
Se eu
conseguir!? Oh! Bom Deus, uma lata de cola, será um dia de menos que verei o meu sofrimento e se
conseguir um baseado, durmo tranquilo e nem vejo quem sou ou onde estou...
OLHA A PLATÉIA.
Lázaros: Senhoras! Senhores! Não fiquem assim
tão espantados! Se vocês estivessem onde estou e vivessem como vivo, também
veriam que é mais doloroso a consciência de estar aqui que a fome. Sou um pobre
diabo! Durmo em trapos que me provocam vômitos de tão fedidos, meu hálito
repugna até a mim mesmo, minha vida é uma desgraça e ninguém vê.
CIRCULA PRÓXIMO A PLATÉIA, OLHANDO
PARA OS DA PRIMEIRA FILA.
Lázaros: Olhem o meu rosto! Já me viram em
algum lugar?
APONTA PARA OS DA PRIMEIRA FILA.
Lázaros: Ontem você passou por mim apressado
e se afastou por causa do mal cheiro! Minha horrível aparência te fez fingir
que não me via, ao sair do centro comercial de sua preferencia e o medo de ser
roubado fez você fechar os vidros e acelerar o carro quando lhe pedi um trocado
no sinal.
CIRCULA O PALCO E PULA NO MEIO DELE,
COMO QUE SE APRESENTANDO NOVAMENTE.
Lázaros: Mas, neguem que eu tenha minha
utilidade!
Por me vê,
você gosta ainda mais de sua vida burguesa, onde o seu lucro é o mais
importante. Se eu não existisse, como você poderia continuar a se orgulhar de
que venceu na vida? Quem seria o derrotado, para você ser o campeão, se não
tivesse os Lázaros da vida?
PEGA UMA CANECA EM UM CANTO.
Lázaros: Uma esmola pelo amor de Deus! Outra
utilidade minha!
Eu sou
aquele que recebe suas esmolas quando você se senti em falta com seu Deus, me
dá uma esmola e diz a si mesmo: agora estou praticando a caridade. Eu recebo e
me drogo, para esquecer de que precisei de sua esmola para comer.
GUARDA A CANECA E PENSA UM POUCO.
Lázaros: Vocês bem que poderiam me perguntar:
Por que você vive assim? E eu responderia que nem sei direito, são varias as
causas. Por vezes eu perco o emprego e, vendo a minha família passar fome,
perco também a razão, enlouqueço e nem me lembro mais quem sou. Outras vezes
alguém com um bocado de dinheiro, acha minha mulher bonita, usa esse dinheiro
para seduzi-la e fazer com que ela me esqueça, então a depressão me joga aqui e
só penso em esquecer e não mais vejo o mundo exterior, geralmente, a mulher
também vem, depois de descobrir que só era um brinquedo. A forma mais demorada:
sou criado sem estudo, começo a trabalhar cedo, trabalho pesado e mal remunerado,
aquele trabalho que você não quer fazer de jeito nenhum, vou vivendo e então,
adoeço ou quebro um membro, você não tinha assinado minha carteira de trabalho
e eu sou demasiado ignorante para pedir na justiça o que tenho direito e,
quando peço, demora tanto que já estou aqui.
AGACHA E DÁ UM MURRO NO CHÃO.
Lázaros: Essa vida desgraçada vicia e, o
homem sem brio, se acostuma a viver na merda, como eu me acostumei.
ABRE OS BRAÇOS SE CONFORMANDO.
Lázaros: Já ouvi tantas explicações! Sempre
que uma criança te pergunta o porque de eu viver como vivo, você responde: Deus
quer assim; na vida passada ele foi muito apegado ao dinheiro; É um doente e
não tem dinheiro, ou então, que sou um vagabundo e que gosto de ser pedinte.
SENTA NO CHÃO.
Lázaros: Às vezes eu gosto mesmo! O ser
humano se acostuma com tudo, vive em qualquer meio, se eu for obrigado a viver
com muito dinheiro, logo logo eu não quero viver de outra forma.
LEVANTA E SE APROXIMA DA PLATÉIA.
Lázaros: Dizem que só acabam comigo com o
comunismo, que o estado deveria cuidar de mim, etc. Mas, sempre vejo as ideias
de Marx na boca dos piores capitalistas que existem!
Acho que
hoje é sinônimo de personalidade ser simpatizante do comunismo, mas tudo não
sai do campo teórico. Nunca vi ninguém que ganha muito dinheiro querer abrir
mão de seu lucro para dar um nível de vida igual aos necessitados. Lindas
teorias, mas não passam disso, o homem é inerente ao capitalismo, até aqui onde
vivo. Vocês acham que se eu ganhar cem (100) reais aqui, de vocês, eu vou
querer dividir com os outros? Claro que não! Se eu dividir, será com o grupo
que já divide comigo e, por questão de interesse.
ACHA UMA FRUTA NA LATA DO LIXO QUE
COME ESCONDENDO.
Lázaros: Vocês pensam que eu não percebi que
vocês queriam roubar meu café da manhã!? Se vocês tentarem estarei pronto a
reagir e a lutar com qualquer um. O homem em necessidade extrema fica
agressivo, pronto a cometer um crime, se isso for necessário para preservar sua
vida, ou destruí-la, dependendo do abalo psicológico que se sofre.
Sou
candidato a presidiário, interno de hospital psiquiátrico, ou até defunto se eu
perder a luta.
LIMPA A BOCA NA MANGA DA CAMISA, TERMINANDO
A REFEIÇÃO.
Lázaros: Escutei quando criança um apelo musical
que pedia para “trocar o seu cachorro por uma criança pobre”. Então pensei:
Agora melhora! Os cachorros dos ricos são tão bem tratados! Alimento, banho,
cama, um sonho! Eu era criança e muito pobre. Ledo engano! As crianças pobres
continuam sem ajuda e os seus cães bem tratados como nunca! Tem até festa de
aniversário!
Eu não me
lembro nem o dia do meu, depois de tanto tempo sem ninguém lembrar! Eu também
esqueci.
Mas, dizem
que alguém esta fazendo algo, um Lázaro amigo meu esta recebendo ajuda de uma família
abastada! Filhos de Deus! Quem será que o esta ajudando?
APONTA PARA AS PESSOAS NA PLATÉIA.
Lázaros: Será você? Ou você? Ou você? Meu
Deus, quem será? Quero felicita-lo! Esses, além de ajudando com alimentos,
roupas e etc. Tratam com respeito, vejam só, respeito! Na condição em que vivo
o que acaba primeiro é o respeito! Mesmo os que me dão uma esmola, geralmente o
fazem me humilhando. Essa família que ajuda o meu amigo Lázaros, o visita e o
trata como ser humano!
PEGA A BÍBLIA VELHA ATRÁS DA LATA DE
LIXO. ABRE A BÍBLIA E LÊ: LC 16:19-23.
Lázaros: “Ora, havia um homem rico e
vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalado e esplendidamente.
Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas a
porta daquele;
E desejava
alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham
lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu, e foi levado pelos
anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico, e foi sepultado.
E no inferno
ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro no seu
seio...”
FECHA A BÍBLIA.
Lázaros: Esta é minha passagem favorita, ela
me dá a esperança de um dia melhorar de vida, o meu xará bíblico conseguiu, foi
para o seio de Abraão, que eu acho deve ser o céu, enquanto o rico foi para o
inferno.
GUARDA A BÍBLIA.
Lázaros: Agradeço a Deus por tudo! Hoje estou
aqui, repleto de feridas, misérias e vícios. Amanhã, quando eu morrer de frio,
fome, doença ou overdose, irei para o céu, para o seio de Abraão e vocês, os
ricos, sofrerão no inferno.
Isso me
consola, me faz aceitar pacificamente minha condição de miserável, o dinheiro
leva ao inferno e eu quero ir para o céu.
APROXIMA-SE DA PLATÉIA COMO QUE PARA
CONTAR UM SEGREDO.
Lázaros: Posso lhes contar uma coisa?
ENTRISTECE.
Lázaros: Por mais que eu tente me enganar...
ENTRA EM DESESPERO.
Lázaros: Eu não consigo acreditar nisso! É
hipocrisia dizer que eu serei salvo por ser miserável, isso esta mais é com
cara de engodo dogmático, algo que foi criado para justamente, me fazer viver
conformado com toda essa desgraça que me cerca.
O meu homônimo
viveu desejando comer as migalhas, com a companhia somente dos cães, que lhe
lambiam as chagas, como eu tenho cães que me lambem o rosto quando desmaio
embriagado e com fome.
Sei que vou
contra fortes valores religiosos, mas eu bem que preferia ter uma vida mais
digna ao invés de ficar somente esperando o céu.
SENTA-SE JUNTO A LATA DE LIXO.
Lázaros: De qualquer forma, eu estou tão
fraco que não demora muito até eu ir com a morte. E...quando eu for, ninguém
sentirá minha falta; ninguém notará, não tenho família! Amigos? Menos ainda!
Serei um nada sem rosto causando o ultimo incomodo de ser enterrado como
indigente, pelo serviço social, sentindo todo o peso de ser mais um dos muitos
à que se podem chamar de Lázaros!
Fim!
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